Todas as vezes em
que esbarro por aí com um certo chegado meu, de nome Eberclei, sou abalado por
causa da onda de negativismo extremo que emana do sujeito. É um cara durão, meio mau-caráter. Mal-humorado, nada confiável. E de tão puto que sempre
está com a própria vida, o cabra é capaz de, em cinco curtos minutinhos de prosa, me contagiar com seu aborrecimento.
Mês passado, por
exemplo, assim que me viu numa esquina, o infeliz chegou esbravejando sobre seu time do
coração. “Patifes! Fracassados! Perderam a final jogando em casa, estádio
cheio. Puta merda!” — introduziu, colérico.
Na sequência, queixou-se
do emprego, não aguentava mais aquilo. Já há dois anos era explorado em troca
de um salário miserável. E o macambúzio rapaz repetiu três vezes que não tinha
perspectivas de crescer profissionalmente. “Assim não dá... que bosta!” — chutou
uma pedra.
Eu me arranjava para
fugir do assunto, quando o cafajeste interpelou novamente. “Porra, olha só como
tô gordo!” — reclamou enquanto empurrava a barriga saliente para o interior da
fivela do cinto apertado. Nesse momento enxugou o suor da testa. Não fazia calor, mas ele transpirava.
Então emergiu no
repertório do meu interlocutor, sempre pessimista demais, a discussão sobre a
fome que assola a humanidade. Ele também falou sobre as guerras e a absoluta impossibilidade de que algum dia impere a boa convivência entre os povos do planeta. Chutou um cachorro que
passava inocentemente por ali, o maldito.
'Puta cara nojento...' — eu matutei.
---------------------------------------
'Puta cara nojento...' — eu matutei.
---------------------------------------
Em outros dois
encontros casuais com o Eberclei, segui me embasbacando com sua infindável lista de
lamúrias. Ele jura que no prazo máximo de cinco anos vai faltar água para a
maioria da população da Terra. Certificou-me ainda de que a cura da aids não
será, jamais, descoberta.
De quebra, o escroto do Eberclei dissertou acerca da corrupção que é uma praga brasileira, graças à qual não há mais como salvar o futuro do país. E enfim despediu-se, tal ordinário, admitindo que deverá ir para o inferno quando morrer. Como se eu já não soubesse disso.
De quebra, o escroto do Eberclei dissertou acerca da corrupção que é uma praga brasileira, graças à qual não há mais como salvar o futuro do país. E enfim despediu-se, tal ordinário, admitindo que deverá ir para o inferno quando morrer. Como se eu já não soubesse disso.
O puto do Eberclei me deixa de baixo astral. Eu sempre penso: 'Puta cara chato... Nunca mais quero encontrar esse cretino'.
-----------------------------------
Infelizmente, hoje ia chegando ao trabalho quando tive o desprazer de topar de novo com o meliante. Foi de repente, não deu para desviar a rota. Já improvisava uma desculpa para me mandar dali. Mas Eberclei surpreendeu, exclamando: “Velho, como cê tá bonito!”.
Achei aquilo estranho.
Infelizmente, hoje ia chegando ao trabalho quando tive o desprazer de topar de novo com o meliante. Foi de repente, não deu para desviar a rota. Já improvisava uma desculpa para me mandar dali. Mas Eberclei surpreendeu, exclamando: “Velho, como cê tá bonito!”.
Achei aquilo estranho.
Então ele olhou para
o firmamento e comentou sobre nosso privilégio de morar em Belo Horizonte ,
cidade onde há tão agradável clima. Ameno, pitoresco. “Fomos contemplados! A luz do Sol, o
ar da manhã, são tesouros divinos que recebemos de graça...!”. Suspirou como se quisesse
engolir tudo aquilo de precioso que havia na natureza.
Sem me deixar responder
qualquer coisa, abriu o jornal na página de Economia. “Olha aí
rapaz! Taxa recorde de emprego! Esse é o nosso Brasil!”.
Pensei: 'Que porra é essa... Puta cara contraditório, volúvel do car#lho'.
Aí percebi que Eberclei
ostentava olhos brilhantes e estava perfumado. Concluí também que
bochechara refrescante enxaguante bucal.
Em alguns instantes de conversa, em meio à contação de casos triviais, ele enumerou: “Plantei três árvores lá
Presumi que Eberclei
estava realmente feliz. Despediu-se fazendo inédito cafuné no meu cabelo e cantarolando
versos em idioma inglês embromado: “Oh, happy day! Oh, happy daaay...”.
---------------------------------------
---------------------------------------
A princípio fiquei muito encafifado quanto a essa nova postura do sujeito. Depois soube o que sucedeu com
o safado do Eberclei.
Ele estava na pior até outro
dia, mas conheceu uma mocinha durante o fim de semana e ficou apaixonadão. Nem chegaram a beijar na boca nem nada, só paquera
mesmo. O suficiente para encher de coisas fofas o seu coraçãozinho!
Por isso anda por aí
assoviando, acenando para as velhinhas, abraçando os mendigos.
Quanto a mim, nunca eu o perdoarei. Puta cara volúvel do car#lho!
Quanto a mim, nunca eu o perdoarei. Puta cara volúvel do car#lho!