O jovem Eberclei nunca
havia saído dos limites de uma cidadezinha fuleira do interior de Goiás, quando, aos 17
anos, veio estudar engenharia em Belo Horizonte.
Achou bem legal a
cidade urbanizada. Em sua terra natal, era muito comum caminhar lado a lado com vacas ou
galinhas na estrada que levava ao colégio. Achou bacana ver tantas garotas bonitas na
faculdade e nas ruas.
Era bem tímido, e
desconfiado como todo bom capiau. Não deveria estabelecer, tão cedo, alguma
amizade na metrópole.
Ah, mas das meninas ele realmente gostou.
O sotaque era bonitinho. E até a futilidade que detectou nas mais patricinhas era, para Eberclei, interessante. A primeira tentativa, porém, de dialogar com uma colega de classe foi um fiasco: apresentou-se, e à primeira reação da menina, ele descobriu que seu nome de batismo era ridículo. “Putz! Sério? Eberclei?”. Decidiu que não iria às calouradas.
Ah, mas das meninas ele realmente gostou.
O sotaque era bonitinho. E até a futilidade que detectou nas mais patricinhas era, para Eberclei, interessante. A primeira tentativa, porém, de dialogar com uma colega de classe foi um fiasco: apresentou-se, e à primeira reação da menina, ele descobriu que seu nome de batismo era ridículo. “Putz! Sério? Eberclei?”. Decidiu que não iria às calouradas.
E o rapazote passou por
algumas aventuras na cidade grande. Havia muita coisa nova a ser assimilada. Pegar o metrô, subir escada rolante, usar cartão de crédito...
Mas de matemática
Eberclei entendia! E graças a essa virtude passou em uma seleção para estagiário. O jovial
Eberclei ingressou então no staff de uma imponente montadora de
automóveis. Na prática, recebeu a atribuição de trazer o cafezinho para os
engenheiros.
...
Sem balbuciar,
jamais, uma só palavra durante o expediente, Eberclei se esforçava para aprender sobre o
ofício do qual pretendia ser detentor dali a alguns anos. Discreto, observava os
profissionais na lida diária. Ou melhor, observava a engenheira Eliza.
Um metro e setenta e
cinco de altura (dez centímetros a mais do que ele, sem contar o salto). Cabelos
negros, lisos e longos até a cintura. Morena, olhos pretos que, à luz, ficavam quase da cor de grafite. Unhas, cílios e
brincos impecáveis, mas sem batom. Elegante, esbelta, feminina. Exalava um
agradável perfume que sempre trazia uma flor cheirosa à memória de Eberclei.
Aparentemente, trinta e dois anos e seis meses de idade – calculava ele. No
dedo anelar da mão direita, uma aliança de noiva.
Depois de uma semana
convivendo na mesma sala, ela enfim notou a existência do novo estagiário. A
voz encantadora, como se fosse uma sereia, quebrou o gelo: “Oi menino, nunca
te vi aqui. Qual o seu nome?”.
“Éber.” – respondeu
prontamente. Já havia se planejado a respeito.
Eberclei então monitorava cada aspecto referente à chefe que idealizava. O decote sempre discreto nas
costas, a escrita canhota, a piscada lenta, sugerindo que seus olhos se
ressecavam quando expostos ao ar condicionado. As panturrilhas rigorosamente da mesma
espessura. E aquele anel dourado, símbolo maior do iminente compromisso
matrimonial, que fazia desmoronar o mundo inteiro sobre a cabeça de Eberclei.
Ao certo, a dama estaria
prestes a se casar com um endinheirado homem de negócios, que usa terno e
relógio. Ou um jogador de futebol, daqueles que adquirem prestígio e erguem vasto patrimônio ainda jovens.
Tal gavião teria sido o
remetente daquele buquê de rosas recebido por sua deusa, de surpresa, em pleno
ambiente de trabalho. Era para atendê-lo ao celular que Eliza saía de fininho, sorridente, quando ouvia o aparelho tocar uma canção de Caetano. Que martírio era aquilo!
O
estudante solitário passou a ficar obcecado. Sua medíocre rotina se resumia então em investigar o que pudesse sobre aquela
mulher. Espionava-a nas redes sociais. Beijava o copo usado por ela, deixado na
pia da cantina. Uma vez quase foi surpreendido cheirando o agasalho da mulher, largado sobre a poltrona. Só pensava nela o dia inteiro. A
paixão platônica se transformava em uma doença.
Certo dia, Eberclei ficou até as dezoito horas na firma. Havia recentemente largado os cafezinhos, sendo promovido a carimbador de documentos, e o serviço ficou mais pesado. Nessa ocasião, pôde bisbilhotar a rainha de seus sonhos na saída do trampo.
Certo dia, Eberclei ficou até as dezoito horas na firma. Havia recentemente largado os cafezinhos, sendo promovido a carimbador de documentos, e o serviço ficou mais pesado. Nessa ocasião, pôde bisbilhotar a rainha de seus sonhos na saída do trampo.
Eliza se despediu de
todos, do diretor à faxineira, com a delicadeza que lhe era peculiar. Desceu
as escadas apressadamente, parecia que alguém a estava a esperar. Por instinto,
o estagiário foi atrás, mesmo ciente de que levaria uma apunhalada no peito se desse de cara com o bonitão. Teria cabelos levemente grisalhos, voz grave,
dirigiria um carrão.
“Desgraçado...”.
“Desgraçado...”.
Eberclei examinava toda a trajetória,
sorrateiramente. Dali a poucos metros, havia, de fato, um belíssimo automóvel
preto, com cabine dupla e carroceria, parado. O garoto nem conhecia o nome do modelo.
Eliza caminhou para lá, saltitante de saudade.
"Maldito!".
"Maldito!".
Nesse momento, um súbito
ódio tomou conta da até então inofensiva personalidade do rapaz.
Impulsivamente, ele a seguiu. Quem visse a cena ficaria assustado, mas a rua
era deserta e já começava a escurecer. Eberclei estava ofegante; o olhar marejado e convicto. Caminhava com passos fortes.
A moça se aproxima do
veículo estacionado. O estagiário a persegue, prestes a alcançá-la, com um ar sinistro,
animal. As mãos cerradas, empunhando apenas uma caneta do escritório.
A porta do carona abre
devagar e Eliza se joga nos braços do piloto. Eberclei agora chega de mansinho,
com bastante cautela.
A musa está de costas. O estagiário observa mais uma vez
o decote sensual. Tem raiva, e segura forte a caneta. Já é possível ver quem está ao volante, beijando vorazmente
sua donzela protegida.
O vento sopra e traz até
Eberclei o cheiro bom de xampu feminino. Ele fica pasmo,
imóvel. "Mas... como assim?" — questionava sua alma, surpresa.
De um jeito inesperado, a fincada amarga do ciúme anulou-se. Ebreclei, que navegava num turblento oceano de novidades desde que aportara na capital, renovava seus paradigmas naquele exato instante.
"Se não há rivalidade masculina, não há motivos para me sentir derrotado, certo? É assim no reino dos leões, dos búfalos... dos pavões..." — conjecturava o espírito angustiado do rapazinho.
Jogou fora a caneta e regressou calmo, o menino Éber.
Jogou fora a caneta e regressou calmo, o menino Éber.