quarta-feira, 16 de julho de 2025

Hermético


As relações chegam de mansinho para ele. Normalmente insinuam-se, a princípio, por meio de conversas despretensiosas no WhatsApp, que progridem para gestos calculados e se desdobram em planos pequenos. Delicadas, deslizam quase sem peso. E logo somem, deixando somente uma lembrança difusa, como a espuma da onda que passou pela beira da praia. 

No caso dele, as relações nunca terminam explodindo em dramas, mas esmaecem aos poucos, perdem a definição. Após poucas semanas, só restam as cinzas de uma fogueira que queimou sem causar alarde. No caso dele, as relações se dissolvem e voam feito poeira. 

Mesmo assim, invariavelmente, algo de material permanece – e é nesse ponto que começa minha reflexão. Quando, feito correnteza, a vida leva para longe cada uma de suas paixões, ficam vestígios no armário da cozinha: vasilhas plásticas, outrora vetores de mimos femininos saborosos, comidinhas salvadoras preparadas com carinho por suas pretendentes.

As vasilhas são heranças silenciosas, guardiãs inalienáveis do que aconteceu, fielmente adaptadas para abrigar almoço requentado, pedaços de fruta, restos de qualquer coisa. As vasilhas ficam – insisto – porque não há motivo para devolvê-las; ou melhor, há objeções para fazê-lo. Entregar de volta o recipiente vazio quebraria o luto natural, ou evocaria o fantasma de algo morto. Não! Não se deve telefonar por tão pouco. Não convém estabelecer nova troca por conta de um item tão barato, genérico, insípido. Uma vasilha pequena de plástico não suportaria a carga de uma suposta saudade, muito menos a força de uma boa intenção.

Ao mesmo tempo, no caso dele, jogar fora as vasilhas jamais lhe ocorre. Desperdício contraditório, ora! Não se deve abandonar tão honesto item, que se encaixou como peça importante da sua engrenagem doméstica. As vasilhas servem, comportam, organizam, facilitam. Úteis demais para serem descartadas, e banais demais para ensejarem um rito de devolução, as vasilhas então se eternizam, discretas e resignadas à funcionalidade do lar.

Dia sim, dia não, ele revisita as vasilhas empilhadas no interior do armário frio. Algumas jazem com rachaduras, outras riscadas. E todas acolhem com o mesmo zelo anônimo. Testemunham, estoicas, as refeições e as fatias de afeto que não voltam.

Nas pequenas vasilhas de plástico, o homem reconhece um espelho sutil, pois que também armazena restos de sentimentos cuja devolução não se justifica; sentimentos que ele guarda mesmo sem saber por quê. Omisso, ele protege inutilmente os pedaços daquilo que restou; conserva fiapos de emoções e de expectativas trancadas sob tampas firmes.

No interior do seu armário escuro e frio, a colônia de vasilhas não lhe sorri e não lhe provoca lágrimas de lamento. Dentro do peito, seu coração é igualmente hermético. Evita vazamentos, impede o fluxo, sufoca a circulação. 

E assim nada se perde. Nem se agrega. Nem se recicla.

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