Os boêmios enfim repousam. Os cachorros de rua, que nada entendem, ainda circulam, vadios, pela praça. A sarjeta deixa exalar o odor dos restos da noite anterior, principalmente o da cerveja velha. A revoada dos pardais, vez em quando, quebra a monotonia. Apenas o Sol expande-se, imponente, castigando a quase absoluta careca do velho tocador de trompete.
Ele não lê partituras, por vezes tropeça em uma ou duas notas antes de alcançar a correta. A melodia de sua única canção é notavelmente mais lenta do que deveria, coisa da melancolia do momento. O solitário animador da cidade deserta, naquele início de tarde, desconhece a real diferença entre seu trompete, o saxofone, a tuba – mas isso é o que menos intriga a consciência do velho tocador.
Mecanicamente a canção flui, por isso o raciocínio do velho faz uma viagem. Ele pensa que o trabalho ocupa toda a sociedade, livrando-a do silêncio. Gera riqueza e ambição, que é a motivação para trabalhar mais. Então é necessário relaxar: faz-se a festa, sua decorrente bagunça e sujeira. Depois volta o silêncio.
Os jovens, ressaquiados e sonolentos, despertam com a canção vagarosamente compassada, que parecendo vir de longe, repete-se: "Adeus... ano velho. Feliz... Ano Novo. Que tudo se realize...". Mas o velho tocador de trompete não espera que alguém o ouça. Apenas sopra, despretensioso, o instrumento do qual aprendera sozinho a extrair harmonia.
A mensagem de esperança em dias melhores surge espontânea varrendo a porcaria e a bagunça da praça deserta.
Amigo imaginário: Após o fim de um Carnaval
em Senhora de Oliveira, MG, esse velho
me apareceu pela primeira vez. Ele tocava melancólico:
"Arlecrim está chorando / por amor a Colombina...".
em Senhora de Oliveira, MG, esse velho
me apareceu pela primeira vez. Ele tocava melancólico:
"Arlecrim está chorando / por amor a Colombina...".
Este velho esteve também vagando pela Praça da Liberdade quando o clima natalino tomava conta da cidade de Belo Horizonte!
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