Numa orla capixaba estava o poeta mineiro, contemplando aquilo que ele julga ser a mais fantástica das criações: o Sol se despedindo, na praia.
E ele se extasiava com tamanha perfeição. A linha de paz que separa o céu do oceano era a mais precisa ilustração do infinito. Fazia com que o poeta se sentisse quase tão pequeno quanto os grãos de areia esmagados sob suas nádegas brancas. O som das ondas se quebrando, o gosto da cerveja, a brisa ofegante, combinados, proporcionavam-lhe uma experiência sensorial pra lá de deliciosa.
Algo, porém, o intrigava e o fascinava em especial: as conchas. Aquilo era para ele o mais sublime artesanato, a mais prima das obras de arte. Qual o esmero tido pelo Criador ao desenhar as curvas, colorí-las. Dar a cada uma a devida estampa. Diferentes relevos e dimensões.
Quando tivesse seu filho, — divagava — e esse adquirisse a capacidade da cognição, o poeta diria-lhe que cada uma das conchas do oceano representa uma vida humana pelo planeta. As que chegam à margem partidas são as pessoas que já morreram. E se o filho separasse duas conchas fechadas, nesse momento desataria duas almas gêmeas em algum lugar do mundo.
O poeta chegava a selecionar uma ou outra concha para ser observada de pertinho, mas tinha de ser ligeiro na coleta. A torrente de água salgada vinha, impiedosa, e carregava todas as que encontrasse. Em compensação, trazia outras centenas. Fazia isso, sem parar.
Encantado, ele sabia que, na condição de poeta, teria de elaborar, ali mesmo, versos de amor. A emoção seria seu estímulo e as palavras haveriam de escorrer, fáceis, embaladas pela sensibilidade inerente ao momento. Pensou... pensou... quebrou a cabeça. A única coisa que saiu foi isto:
"Muié é igual concha na praia. Se ocê escói uma e ela vai embora, na mesma hora vem um punhado, uma mais linda do que a outra"
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não correspondem, necessariamente,
ao ponto de vista do autor.
não correspondem, necessariamente,
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ainda bem que rolou essa nota no final hein? hahahahaha
ResponderExcluiresse poeta ta tipo Afonso demais! hahaha
Esta é a vantagem dos grandes escritores: abster-se de si quando assumem o papel do eu-lírico.
ResponderExcluirO problema das conchas é que algumas deixam mais saudade que outras. Ou escondem-se na areia para nunca mais ir embora.
Se tivesse jeito eu curtiria esse comentário do Didi!
ResponderExcluirMatheus, muito bons seus textos!
ResponderExcluirTava navegando em alguns blogs e achei um que informava sobre vários concursos de cronica/contos e achei interessante. Dá uma olhada depois: http://www.o-bule.com
Beijo
Eu... disse:O problema das conchas é que algumas deixam mais saudade que outras. Ou escondem-se na areia para nunca mais ir embora²
ResponderExcluirO "necessariamente" na nota fez toda a diferença. Parece que escuto você "falando" o texto em vez de escrevê-lo, principalmente a hora de "escoier" as conchas. Ou as "muié".
ResponderExcluirSua cara, Matheus! Muito bom!
Simplesmente fantástico!!!Você escreve de forma tão suave e tão descritiva que a gente vai vivenciando o texto juntamente com você. Amei!
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