Enquanto olhava para o reflexo no espelho do teto, pensei tanto, e tão fortemente, que senti vontade de chorar.
Nosso abraço era tão perfeito quanto o de um casal de quase duas décadas. A imagem era toda perfeita por causa da meia-luz cor-de-vinho. Com aquela iluminação e aquele encaixe, tão espontâneo e tão geométrico, só se podia enxergar a perfeição. A pele dela, extraordinariamente branquinha, lisa, dura, lembrava uma impecável porcelana. Simples e sublime, o espelho parecia a capa de uma revista antiga.
Num indefectível e vagaroso compasso, nossas pernas se carinhavam bem lentamente. Respirávamos a pele um do outro devagarzinho, como se fosse uma brisa. Parecia um baile silencioso da natureza, mas era a gente fazendo nada, quase imóveis, em silêncio. A impressão era de que todos os outros movimentos do planeta eram também harmônicos como os de uma natureza remota, como os de seu baile silencioso e imóvel.
Ali refletidas no teto, jaziam nossas histórias de vida que, dezesseis anos depois, ou até mais do que isso, se recombinaram, assombrosamente cúmplices. Por isso mesmo, o fato de que a gente não se reencontrava há tanto tempo fazia doer como uma facada na garganta.
O reflexo no teto figurava então como uma imagem do futuro. Isso porque nosso passado tão gostoso nunca deixara de ser presente. E o lapso de quase dezesseis anos ou mais, tempo em que vivemos sem saber notícias um do outro, naquela hora, não existia. O espelho no teto, de um jeito muito mágico, projetava uma cena futura, feliz, da paixão de dois adolescentes. Sob o espelho que nos via de cima, tudo estava muito diferente. Mas tudo continuava, surpreendentemente, igual.
Ao mesmo tempo em que isso era mágico e gratificante, doía como o reencontro entre duas almas que haviam se amado numa existência anterior, já que parecia trazer de volta à tona frustrações sepultadas numa vida passada. O reencontro com ela, como que acontecendo numa encarnação vindoura, era mágico e gratificante porque aplacava uma saudade impossível, e doía porque desenterrava tristezas adolescentes, que são tristes como tragédias.
Aquela lágrima de emoção, que deslizava solitária e fugidia, fazia lembrar que a maioria das minhas escolhas, ao longo daqueles quase dezesseis anos ou mais, haviam sido erradas... pois a ilusão, de tão ilusória, às vezes se disfarça de coisa verdadeira. Solitária e fugidia, aquela lágrima de emoção era triste porque ruminava minha miséria ao ter consentido que outros cabeludos aparecessem na vida dela.
A culpa foi minha, eu sei. Mas antes dos quase dezesseis anos, ou um pouco mais, havia tanta vida pela frente... Então a paixão, tão promissora, foi mesmo enterrada, sendo que ainda estava viva. Ainda vivia, mas foi mesmo enterrada.
Ao longo da noite de reencontro que começou na frente do antigo colégio e terminou com uma conversa sem conclusão num quarto cor-de-vinho, cada pedacinho daquela história ia sendo desenterrado, das profundezas, pouco a pouco. De escuro, ia se tornando iluminado. De esfarelado, concreto. Ternura improvável e fascinante, como o peixinho que pulula no rio que secou. Ou a flor que resiste minúscula fincada na areia da praia.
Bem lá no fundo, sobreviveram os pedacinhos daquela história, soterrados. Foram emergindo aos poucos, trazendo junto outros pedacinhos. Quadros e cenas daquela menina delicada como uma boneca de porcelana, do carinho ingênuo e exagerado, das besteirinhas e descobertas diárias.
Diante dela novamente, uma lança rasgava-me a coluna e se alojava certeira na nuca, fazendo-me pensar tanto, até chorar uma lágrima de saudade, de satisfação, de ansiedade, de tristeza, de paixão por aquela pele branca e dura como uma porcelana, paixão que resistiu esmagada como uma mola, e que quase não cabia naquele quarto vinho, tão vinho, mais vermelho do que o último minuto do crepúsculo.
Nosso abraço era tão perfeito quanto o de um casal de quase duas décadas. A imagem era toda perfeita por causa da meia-luz cor-de-vinho. Com aquela iluminação e aquele encaixe, tão espontâneo e tão geométrico, só se podia enxergar a perfeição. A pele dela, extraordinariamente branquinha, lisa, dura, lembrava uma impecável porcelana. Simples e sublime, o espelho parecia a capa de uma revista antiga.
Num indefectível e vagaroso compasso, nossas pernas se carinhavam bem lentamente. Respirávamos a pele um do outro devagarzinho, como se fosse uma brisa. Parecia um baile silencioso da natureza, mas era a gente fazendo nada, quase imóveis, em silêncio. A impressão era de que todos os outros movimentos do planeta eram também harmônicos como os de uma natureza remota, como os de seu baile silencioso e imóvel.
Ali refletidas no teto, jaziam nossas histórias de vida que, dezesseis anos depois, ou até mais do que isso, se recombinaram, assombrosamente cúmplices. Por isso mesmo, o fato de que a gente não se reencontrava há tanto tempo fazia doer como uma facada na garganta.
O reflexo no teto figurava então como uma imagem do futuro. Isso porque nosso passado tão gostoso nunca deixara de ser presente. E o lapso de quase dezesseis anos ou mais, tempo em que vivemos sem saber notícias um do outro, naquela hora, não existia. O espelho no teto, de um jeito muito mágico, projetava uma cena futura, feliz, da paixão de dois adolescentes. Sob o espelho que nos via de cima, tudo estava muito diferente. Mas tudo continuava, surpreendentemente, igual.
Ao mesmo tempo em que isso era mágico e gratificante, doía como o reencontro entre duas almas que haviam se amado numa existência anterior, já que parecia trazer de volta à tona frustrações sepultadas numa vida passada. O reencontro com ela, como que acontecendo numa encarnação vindoura, era mágico e gratificante porque aplacava uma saudade impossível, e doía porque desenterrava tristezas adolescentes, que são tristes como tragédias.
Aquela lágrima de emoção, que deslizava solitária e fugidia, fazia lembrar que a maioria das minhas escolhas, ao longo daqueles quase dezesseis anos ou mais, haviam sido erradas... pois a ilusão, de tão ilusória, às vezes se disfarça de coisa verdadeira. Solitária e fugidia, aquela lágrima de emoção era triste porque ruminava minha miséria ao ter consentido que outros cabeludos aparecessem na vida dela.
A culpa foi minha, eu sei. Mas antes dos quase dezesseis anos, ou um pouco mais, havia tanta vida pela frente... Então a paixão, tão promissora, foi mesmo enterrada, sendo que ainda estava viva. Ainda vivia, mas foi mesmo enterrada.
Ao longo da noite de reencontro que começou na frente do antigo colégio e terminou com uma conversa sem conclusão num quarto cor-de-vinho, cada pedacinho daquela história ia sendo desenterrado, das profundezas, pouco a pouco. De escuro, ia se tornando iluminado. De esfarelado, concreto. Ternura improvável e fascinante, como o peixinho que pulula no rio que secou. Ou a flor que resiste minúscula fincada na areia da praia.
Bem lá no fundo, sobreviveram os pedacinhos daquela história, soterrados. Foram emergindo aos poucos, trazendo junto outros pedacinhos. Quadros e cenas daquela menina delicada como uma boneca de porcelana, do carinho ingênuo e exagerado, das besteirinhas e descobertas diárias.
Diante dela novamente, uma lança rasgava-me a coluna e se alojava certeira na nuca, fazendo-me pensar tanto, até chorar uma lágrima de saudade, de satisfação, de ansiedade, de tristeza, de paixão por aquela pele branca e dura como uma porcelana, paixão que resistiu esmagada como uma mola, e que quase não cabia naquele quarto vinho, tão vinho, mais vermelho do que o último minuto do crepúsculo.
Ocaso depois de uma tarde que durou quase dezesseis anos, ou talvez um pouco mais.
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