sexta-feira, 25 de março de 2011

O poeta e o mar

Dizem que o mar inspira os poetas.

Numa orla capixaba estava o poeta mineiro, contemplando aquilo que ele julga ser a mais fantástica das criações: o Sol se despedindo, na praia.

E ele se extasiava com tamanha perfeição. A linha de paz que separa o céu do oceano era a mais precisa ilustração do infinito. Fazia com que o poeta se sentisse quase tão pequeno quanto os grãos de areia esmagados sob suas nádegas brancas. O som das ondas se quebrando, o gosto da cerveja, a brisa ofegante, combinados, proporcionavam-lhe uma experiência sensorial pra lá de deliciosa.

Algo, porém, o intrigava e o fascinava em especial: as conchas. Aquilo era para ele o mais sublime artesanato, a mais prima das obras de arte. Qual o esmero tido pelo Criador ao desenhar as curvas, colorí-las. Dar a cada uma a devida estampa. Diferentes relevos e dimensões.

Quando tivesse seu filho, — divagava — e esse adquirisse a capacidade da cognição, o poeta diria-lhe que cada uma das conchas do oceano representa uma vida humana pelo planeta. As que chegam à margem partidas são as pessoas que já morreram. E se o filho separasse duas conchas fechadas, nesse momento desataria duas almas gêmeas em algum lugar do mundo.

O poeta chegava a selecionar uma ou outra concha para ser observada de pertinho, mas tinha de ser ligeiro na coleta.  A torrente de água salgada vinha, impiedosa, e carregava todas as que encontrasse. Em compensação, trazia outras centenas. Fazia isso, sem parar.

Encantado, ele sabia que, na condição de poeta, teria de elaborar, ali mesmo, versos de amor. A emoção seria seu estímulo e as palavras haveriam de escorrer, fáceis, embaladas pela sensibilidade inerente ao momento. Pensou... pensou... quebrou a cabeça. A única coisa que saiu foi isto:

"Muié é igual concha na praia. Se ocê escói uma e ela vai embora, na mesma hora vem um punhado, uma mais linda do que a outra"

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