quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

A kombi

(Dois amigos conversam e riem descontraidamente, durante o intervalo para o almoço, no trampo).

_Hahaha!

_Ééé...! Hahaha...

(De repente, o semblante do primeiro sujeito fica sério).

_Mudando de assunto... preciso falar uma coisa séria contigo.

(O semblante do segundo sujeito também fica sério).

_(...).

_Estão falando mal de você por aí. Na verdade, coisa absurda. Achei bizarro. Por isso vou te falar.

_Han???

_Vou te falar porque sou seu parceiro.

_(...)?

_É o seguinte. Se prepara. Estão dizendo que você tá morando no estacionamento da firma. No es-ta-cio-na-men-to! É, que se mudou pra cá de vez. E que tá vivendo dentro dessa kombi aí. Entregou o apartamento e se mudou pra kombi. Eu te falei que era bizarro...

_QUÊ???

_É...! Disseram que você tá dando uma de joão-sem-braço. Pra não gastar com moradia, gasolina e tudo o mais, veio morar na kombi. Foda né. Olha só, já tem um mês que tô ouvindo esses burburinhos pelos corredores.

_Velho, que bizarro...

_É, sacanagem desse pessoal. Mas olha, tá todo mundo sabendo. Só se fala disso.

_Putz...



(Instante de silêncio).



_Mas você num tá morando na kombi não, né, velho...?

_Claro que não.

_Pois é, eu sei... Mas é que o pessoal chega cedinho, a kombi tá aí. Vai todo mundo embora, fica só você, a kombi no mesmo lugar. A galera manja que você gosta dessa rua, tem boteco perto, tem padaria...

_(...).



(Silêncio de dois segundos).



_Mas tem colchão lá dentro da kombi, num tem?

_Tem, claro. Vai que aparece uma mocinha, rola um amasso... Ela aparece de surpresa aqui na kombi... Sabe como é, pô...!

_Hehe, entendo, sei como é.

_Pois então.



(Dez segundos de silêncio).



_Mas tem chegado encomenda pra você aí na kombi, que eu vi. Carteiro já teve aí, que eu sei...

_Meu prédio tá sem porteiro. Tô pedindo pra entregar tudo aqui, ora.



(Cinco segundos de silêncio).



_E tem mais né, velho... Até seu cachorro tá amarrado aí na kombi.

_Ah, esses dias tá chovendo, muito trovão. O Rex fica com medo. Trouxe ele por isso.

_Pode crer.



(Cinco segundos de silêncio).



_Ok, o cachorro é de boa. Mas e esse galinheiro do lado da kombi? Já até te vi jogando milho pras galinhas...!

_É que eu aprecio muito um ovo frito, de vez em quando e...

_Ahá! Então você admite que tem um fogão dentro da kombi?!

_Bem, um fogareiro, na verdade.

_(...).

_(...).

_Cara, você é muito estranho. Tô vendo que você tirou as rodas da sua kombi! Cadê as rodas? As quatro? Por que tirou as rodas???

_Ah, é mesmo. Mandei reformar. Elas empenaram. As quatro.

_(...).

_(...).

_Ei! Tem uma senhora ali batendo na porta da kombi!

_Ahn?... Ah, tem, não conheço não...

_Opa, aquela ali não é a sua mãe???

_Ih, oh, é mesmo...

_SUA MÃE, CARA! Sua mãe não mora no Paraná??? Quê que tá acontecendo aqui? Você passou o endereço da kombi pra sua mãe vir te visitar, é isso!!?

_Não, eu... nada disso...! Espera só um instante, brother. Vou lá falar com ela. Fica aqui, que eu já volto. Ou melhor, eu te ligo depois. Ou melhor, vou lá na sua casa mais tarde.

_Não, melhor não... deixa quieto. Não estarei em casa não.

_Ok, depois eu te ligo.

_Sério, num liga não. Tô sem celular, tô sem e-mail também!

_Ok, vou lá ver o que minha mãe quer. A gente se vê.

_(...).

_(...).

(Depois desse episódio, os dois amigos nunca mais foram vistos juntos. Rolou nos corredores da firma um burburinho de que eles haviam brigado feio).