sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Paradigmas do menino Eberclei

O jovem Eberclei nunca havia saído dos limites de uma cidadezinha fuleira do interior de Goiás, quando, aos 17 anos, veio estudar engenharia em Belo Horizonte. 

Achou bem legal a cidade urbanizada. Em sua terra natal, era muito comum caminhar lado a lado com vacas ou galinhas na estrada que levava ao colégio. Achou bacana ver tantas garotas bonitas na faculdade e nas ruas.

Era bem tímido, e desconfiado como todo bom capiau. Não deveria estabelecer, tão cedo, alguma amizade na metrópole. 

Ah, mas das meninas ele realmente gostou. 

O sotaque era bonitinho e até a futilidade que detectou nas mais patricinhas era, para Eberclei, interessante. A primeira tentativa, porém, de dialogar com uma colega de classe foi um fiasco: apresentou-se, e à primeira reação da menina, ele descobriu que seu nome de batismo era ridículo. “Putz! Sério? Eberclei?”. Decidiu que não iria às calouradas.

E o rapazote passou por algumas aventuras na cidade grande. Havia muita coisa nova a ser assimilada. Pegar o metrô, subir escada rolante, usar cartão de crédito...

Mas de matemática Eberclei entendia! E graças a essa virtude passou em uma seleção para estagiário. O jovial Eberclei ingressou então no staff de uma imponente montadora de automóveis. Na prática, recebeu a atribuição de trazer o cafezinho para os engenheiros.

...

Sem balbuciar, jamais, uma só palavra durante o expediente, Eberclei se esforçava para aprender sobre o ofício do qual pretendia ser detentor dali a alguns anos. Discreto, observava os profissionais na lida diária. Ou melhor, observava a engenheira Eliza.

Um metro e setenta e cinco de altura (dez centímetros a mais do que ele, sem contar o salto). Cabelos negros, lisos e longos até a cintura. Morena, olhos pretos que, à luz, ficavam quase da cor de grafite. Unhas, cílios e brincos impecáveis, mas sem batom. Elegante, esbelta, feminina. Exalava um agradável perfume que sempre trazia uma flor cheirosa à memória de Eberclei. Aparentemente, trinta e dois anos e seis meses de idade – calculava ele. No dedo anelar da mão direita, uma aliança de noiva.

Depois de uma semana convivendo na mesma sala, ela enfim notou a existência do novo estagiário. A voz encantadora, como se fosse uma sereia, quebrou o gelo: “Oi menino, nunca te vi aqui. Qual o seu nome?”.

“Éber.” – respondeu prontamente. Já havia se planejado a respeito.
Eberclei então monitorava cada aspecto referente à chefe que idealizava. O decote sempre discreto nas costas, a escrita canhota, a piscada lenta, sugerindo que seus olhos se ressecavam quando expostos ao ar condicionado. As panturrilhas rigorosamente da mesma espessura. E aquele anel dourado, símbolo maior do iminente compromisso matrimonial, que fazia desmoronar o mundo inteiro sobre a cabeça de Eberclei.

Ao certo, a dama estaria prestes a se casar com um endinheirado homem de negócios, que usa terno e relógio. Ou um jogador de futebol, daqueles que adquirem prestígio e erguem vasto patrimônio ainda jovens.

Tal gavião teria sido o remetente daquele buquê de rosas recebido por sua deusa, de surpresa, em pleno ambiente de trabalho. Era para atendê-lo ao celular que Eliza saía de fininho, sorridente, quando ouvia o aparelho tocar uma canção de Caetano. Que martírio era aquilo!

O estudante solitário passou a ficar obcecado. Sua medíocre rotina se resumia então em investigar o que pudesse sobre aquela mulher. Espionava-a nas redes sociais. Beijava o copo usado por ela, deixado na pia da cantina. Uma vez quase foi surpreendido cheirando o agasalho da mulher, largado sobre a poltrona. Só pensava nela o dia inteiro. A paixão platônica se transformava em uma doença.
Certo dia, Eberclei ficou até as dezoito horas na firma. Havia recentemente largado os cafezinhos, sendo promovido a carimbador de documentos, e o serviço ficou mais pesado. Nessa ocasião, pôde bisbilhotar a rainha de seus sonhos na saída do trampo.

Eliza se despediu de todos, do diretor à faxineira, com a delicadeza que lhe era peculiar. Desceu as escadas apressadamente, parecia que alguém a estava a esperar. Por instinto, o estagiário foi atrás, mesmo ciente de que levaria uma apunhalada no peito se desse de cara com o bonitão. Teria cabelos levemente grisalhos, voz grave, dirigiria um carrão. 

“Desgraçado...”.

Eberclei examinava toda a trajetória, sorrateiramente. Dali a poucos metros, havia, de fato, um belíssimo automóvel preto, com cabine dupla e carroceria, parado. O garoto nem conhecia o nome do modelo. Eliza caminhou para lá, saltitante de saudade. 

"Maldito!".

Nesse momento, um súbito ódio tomou conta da até então inofensiva personalidade do rapaz. Impulsivamente, ele a seguiu. Quem visse a cena ficaria assustado, mas a rua era deserta e já começava a escurecer. Eberclei estava ofegante; o olhar marejado e convicto. Caminhava com passos fortes.

A moça se aproxima do veículo estacionado. O estagiário a persegue, prestes a alcançá-la, com um ar sinistro, animal. As mãos cerradas, empunhando apenas uma caneta do escritório.  

A porta do carona abre devagar e Eliza se joga nos braços do piloto. Eberclei agora chega de mansinho, com bastante cautela.

A musa está de costas. O estagiário observa mais uma vez o decote sensual. Tem raiva, e segura forte a caneta. Já é possível ver quem está ao volante, beijando vorazmente sua donzela protegida.
Na poltrona do motorista, uma lindíssima loira, cabelo até os ombros, usando saia; foi só o que deu para constatar. Eberclei contempla a cena, paralisado. Diante de seus olhos estão duas beldades, usando maquiagem. Nada de gravata, charuto, barba, bigode...

O vento sopra e traz até Eberclei o cheiro bom de xampu feminino. Ele fica pasmo, imóvel. "Mas... como assim?" — questionava sua alma, surpresa.

De um jeito inesperado, a fincada amarga do ciúme anulou-se. Ebreclei, que navegava num turblento oceano de novidades desde que aportara na capital, renovava seus paradigmas naquele exato instante.

"Se não há rivalidade masculina, não há motivos para me sentir derrotado, certo? É assim no reino dos leões, dos búfalos... dos pavões..." — conjecturava o espírito angustiado do rapazinho.

Jogou fora a caneta e regressou calmo, o menino Éber.