Vez por outra, faço minhas incursões de retorno ao gueto. Ou
melhor, tento fazer isso.
No gueto há muita gente, pouquíssimos com mais do que vinte
e três anos de idade. Ali impera a euforia e a liberdade. A noite parece não
ter hora para acabar e a pessoa pode ser ela mesma, no gueto. Pode ser quem
quiser. E dinheiro nem é importante.
Ali impera o frescor de personalidade. Os assuntos são
triviais, as paixões efêmeras. O gueto me faz recordar, com nostalgia, de
quando eu pouco me importava com o futuro e com os problemas.
Eu fico só observando tudo. E imaginando onde é que eu me
posicionaria ali naquele gueto, caso a ele fosse compatível. Saudosista, brinco de identificar, naqueles rostos eloquentes, minha antiga cambada. Juro que a gente ganhava
dessa galera, de hoje em dia.
Eu poderia ser aquele doidinho ali, de barba, cara de avoado.
Mas como sou compenetrado e trabalhador, fico só de longe observando tudo.
Vejo a dupla de meninas, que é uma qualquer dupla de meninas
até atravessarem a avenida. À medida que se aproximam do gueto, elas se aprochegam
entre si. Já no núcleo do gueto, tascam um beijo na boca, meio sem propósito e meio sem nexo.
Em outros tempos, a gente, marmanjos, parava espantado para
assistir a um beijo de mulher com mulher. Hoje, a naturalidade arrefece. É como a
nota de cem que não impressiona o milionário. Ou como a morte que não choca o
combatente de guerra.
Sozinho, goleando a terceira cerveja, fico meio que
lamentando por causa dessa inevitável maturidade. Pareço inteligente quando
falo com as meninas. A molecagem estampada na minha cara.
O que eu queria mesmo era poder voltar no tempo. "Se não
posso voltar no tempo, também não posso voltar ao gueto", determino.
Convicto, vou ao banheiro urinar a quarta e derradeira garrafa. Para depois, aliviado então, pegar o portal de regresso à rotina de IPTU atrasado, promoção
no trabalho, multa de trânsito e vontade de casar.
Já vou-me saindo de fininho, sem me despedir dos jovens
desconhecidos. É quando ouço balbuciarem a meu respeito, alguns passos atrás: “Ah lá, o doidinho de barba, cara de avoado. Malucão, mijou de porta
aberta...”.