sexta-feira, 11 de julho de 2014

O dia em que Eberclei plantou três árvores no seu quintal


Todas as vezes em que esbarro por aí com um certo chegado meu, de nome Eberclei, sou abalado por causa da onda de negativismo extremo que emana do sujeito. É um cara durão, meio mau-caráter. Mal-humorado, nada confiável. E de tão puto que sempre está com a própria vida, o cabra é capaz de, em cinco curtos minutinhos de prosa, me contagiar com seu aborrecimento.

Mês passado, por exemplo, assim que me viu numa esquina, o infeliz chegou esbravejando sobre seu time do coração. “Patifes! Fracassados! Perderam a final jogando em casa, estádio cheio. Puta merda!” — introduziu, colérico.

Na sequência, queixou-se do emprego, não aguentava mais aquilo. Já há dois anos era explorado em troca de um salário miserável. E o macambúzio rapaz repetiu três vezes que não tinha perspectivas de crescer profissionalmente. “Assim não dá... que bosta!” — chutou uma pedra.

Eu me arranjava para fugir do assunto, quando o cafajeste interpelou novamente. “Porra, olha só como tô gordo!” — reclamou enquanto empurrava a barriga saliente para o interior da fivela do cinto apertado. Nesse momento enxugou o suor da testa. Não fazia calor, mas ele transpirava.

Então emergiu no repertório do meu interlocutor, sempre pessimista demais, a discussão sobre a fome que assola a humanidade. Ele também falou sobre as guerras e a absoluta impossibilidade de que algum dia impere a boa convivência entre os povos do planeta. Chutou um cachorro que passava inocentemente por ali, o maldito.

'Puta cara nojento...' — eu matutei.

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Em outros dois encontros casuais com o Eberclei, segui me embasbacando com sua infindável lista de lamúrias. Ele jura que no prazo máximo de cinco anos vai faltar água para a maioria da população da Terra. Certificou-me ainda de que a cura da aids não será, jamais, descoberta. 

De quebra, o escroto do Eberclei dissertou acerca da corrupção que é uma praga brasileira, graças à qual não há mais como salvar o futuro do país. E enfim despediu-se, tal ordinário, admitindo que deverá ir para o inferno quando morrer. Como se eu já não soubesse disso. 

O puto do Eberclei me deixa de baixo astral. Eu sempre penso: 'Puta cara chato... Nunca mais quero encontrar esse cretino'.

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Infelizmente, hoje ia chegando ao trabalho quando tive o desprazer de topar de novo com o meliante. Foi de repente, não deu para desviar a rota. Já improvisava uma desculpa para me mandar dali. Mas Eberclei surpreendeu, exclamando: “Velho, como cê tá bonito!”. 

Achei aquilo estranho.

Então ele olhou para o firmamento e comentou sobre nosso privilégio de morar em Belo Horizonte, cidade onde há tão agradável clima. Ameno, pitoresco. “Fomos contemplados! A luz do Sol, o ar da manhã, são tesouros divinos que recebemos de graça...!”. Suspirou como se quisesse engolir tudo aquilo de precioso que havia na natureza.

Sem me deixar responder qualquer coisa, abriu o jornal na página de Economia. “Olha aí rapaz! Taxa recorde de emprego! Esse é o nosso Brasil!”.  

Pensei: 'Que porra é essa... Puta cara contraditório, volúvel do car#lho'.


Aí percebi que Eberclei ostentava olhos brilhantes e estava perfumado. Concluí também que bochechara refrescante enxaguante bucal. 

Em alguns instantes de conversa, em meio à contação de casos triviais, ele enumerou: “Plantei três árvores lá em casa. Tô aprendendo a tocar saxofone. Tô fazendo um curso de massagista, por correspondência. Comprei um skate. Adotei um adorável cachorrinho de rua, paraplégico, o coitadinho”. E não sei o que mais...

Presumi que Eberclei estava realmente feliz. Despediu-se fazendo inédito cafuné no meu cabelo e cantarolando versos em idioma inglês embromado: “Oh, happy day! Oh, happy daaay...”.

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A princípio fiquei muito encafifado quanto a essa nova postura do sujeito. Depois soube o que sucedeu com o safado do Eberclei.

Ele estava na pior até outro dia, mas conheceu uma mocinha durante o fim de semana e ficou apaixonadão. Nem chegaram a beijar na boca nem nada, só paquera mesmo. O suficiente para encher de coisas fofas o seu coraçãozinho!

Por isso anda por aí assoviando, acenando para as velhinhas, abraçando os mendigos.

Quanto a mim, nunca eu o perdoarei. Puta cara volúvel do car#lho!