Antes que eu me complique, relatarei uma série de fatos que
sucederam ao longo de uma segunda-feira comum na vida do Praxedes. Assim serei mais
preciso ao descrevê-lo. Diz respeito a uma segunda-feira qualquer que ocorreu
depois de 56 anos da vida comum do Praxedes.
Devo explicar, primeiramente, que o Praxedes trabalha como
servidor público e cumpre algumas tarefas burocráticas. Passa o dia inteiro
protocolando, fazendo planilhas, redigindo relatórios que não serão lidos. O Praxedes
não se incomoda.
Seus colegas, durante a maior parte do expediente, jogam
conversa fora e tomam cafezinho. Às vezes, fazem essas duas coisas ao mesmo
tempo e, por essa razão, Praxedes costuma ficar sobrecarregado com as tarefas
rotineiras. Mas ele não se importa de permanecer por mais algumas horas na
repartição, após o seu horário regular, até terminar todo o serviço.
Com seu modesto salário, sustenta o lar e também arca com as despesas que ele chama de 'caprichos da esposa'. No caso, a mulher gasta com coisas que Praxedes julga
desnecessárias. Ele quase não tem tempo para se aborrecer, por isso ostenta
sempre um sorriso bobo e vago.
Mas eu dizia que, em uma segunda-feira comum do mês de março, Praxedes saía da repartição quando percebeu que, enquanto estivera trabalhando, algum motorista descuidado bateu na traseira do seu carro, que estava estacionado. Indiferente, Praxedes acenou para o porteiro na guarita, despediu-se como de costume, engatou a primeira marcha, e partiu. Nada é capaz de afetar esse bom homem.
Mas eu dizia que, em uma segunda-feira comum do mês de março, Praxedes saía da repartição quando percebeu que, enquanto estivera trabalhando, algum motorista descuidado bateu na traseira do seu carro, que estava estacionado. Indiferente, Praxedes acenou para o porteiro na guarita, despediu-se como de costume, engatou a primeira marcha, e partiu. Nada é capaz de afetar esse bom homem.
Alguns metros adiante, uma manifestação de populares
interditava o trânsito, já caótico, no horário de pico. A rua estava muito
tumultuada e barulhenta. Nenhum veículo podia se mover. Praxedes observa a
situação pacientemente, através do vidro. Enquanto aguarda parado na via, um
assaltante oportunista chega de rompante e lhe subtrai o telefone celular. Praxedes
suspira, contrariado.
Já anoitecia quando ele conseguiu chegar ao Shopping Center,
onde compraria um presente em ocasião do aniversário do seu sogro. Tal velho, implicante
e explorador, refere-se ao Praxedes, invariavelmente, lançando mão da carinhosa
alcunha de bundão. Mas isso não chega a causar algum desconforto no Praxedes.
Depois de meia hora na loja de departamentos, o genro
escolhe o presente: uma gravata preta com bolinhas brancas. Mas quando vai pagar,
o cartão de crédito não passa, pois está com o limite estourado. “Que azar...”,
coçou-se, o Praxedes.
Ele então precisa descer quatro lances de escadas rolantes, voltar ao estacionamento e recorrer, no interior de seu carro, ao montinho de dinheiro em espécie que deixara reservado para alguma emergência. Vinte minutos depois, Praxedes volta à loja, mas o produto antes selecionado já havia sido vendido. “Eita... mas que dia azarento, não é mesmo?”, ele pensa.
O infortúnio faz demandar novo processo de pesquisa. Mais uma volta no relógio é necessária até que Praxedes cumpra sua missão naquele estabelecimento. Ele deixa o local levando uma gravata preta com quadradinhos brancos.
Já são quase dez da noite quando Praxedes se torna apto a regressar a seu aconchegante lar. Exausto, ele opta por descer de elevador, a caminho, mais uma vez, do estacionamento. Praxedes almeja deitar em seu sofá, ler o jornal do dia, com as notícias já envelhecidas, talvez descalçar os sapatos.
Nesse momento, ainda vivencia mais uma desagradável surpresa. Devido a uma pane elétrica, o elevador enguiça no meio do caminho. “Mas será possível?” – ele matuta, apertando uma mão na outra.
O infortúnio faz demandar novo processo de pesquisa. Mais uma volta no relógio é necessária até que Praxedes cumpra sua missão naquele estabelecimento. Ele deixa o local levando uma gravata preta com quadradinhos brancos.
Já são quase dez da noite quando Praxedes se torna apto a regressar a seu aconchegante lar. Exausto, ele opta por descer de elevador, a caminho, mais uma vez, do estacionamento. Praxedes almeja deitar em seu sofá, ler o jornal do dia, com as notícias já envelhecidas, talvez descalçar os sapatos.
Nesse momento, ainda vivencia mais uma desagradável surpresa. Devido a uma pane elétrica, o elevador enguiça no meio do caminho. “Mas será possível?” – ele matuta, apertando uma mão na outra.
Sem seu celular ou outro instrumento capaz de distraí-lo, Praxedes
permanece quieto, ali trancado, atento somente aos próprios pensamentos. Ele pensa
nas suas planilhas e relatórios, no vestido novo da sua esposa e na mensalidade
do colégio da filha. Pensa também na ração do cachorro e na missa que ouvira,
domingo, na igreja. O elevador fica enguiçado por mais alguns minutos, até que a
normalidade é restabelecida. “Agora sim, lá vou eu!”.
Praxedes caminha alguns metros, entra em seu carro. Dirige
até a cancela. Insere o cartão de estacionamento no dispositivo. A cancela
levanta e esse mesmo dispositivo emite uma voz simpática, feminina. Ele presta
atenção. É uma gravação, automática:
– Agradecemos pela
sua visita! Volte sempre!
Praxedes abaixa o vidro. Olha fixamente para aquela coisa
com voz robótica. Sua pele se ruboriza e ele extravasa: _VAI PRO INFEEERNO DISGRAAAÇA!!!
Arranca o carro de forma bruta, arranca cantando os pneus.
Quem passa ali por perto até se espanta com tamanha selvageria.
Mas Praxedes não liga não. Volta pra casa tranquilão como
sempre... Amanhã é terça-feira, será um novo dia!