quarta-feira, 13 de junho de 2012

A lógica dos insetos

"Fiquei ligeiramente fascinado ao contemplar a singela pétala de rosa a se movimentar. Com imponente elegância, aquele pedacinho da natureza flutuava lenta e uniformemente sobre a invencível membrana d’água. Quão delicada era aquela pele vegetal! O tom vermelho intenso, vivaz, exuberante. Quando então detectei o rastro prateado refletido pela solitária gota no ventre da flor perfumada, aí entendi a costumeira associação que se faz da rosa vermelha à paixão. Entendi também outras coisas..."


...era mais ou menos isso o que assolava meu imaginário durante aquela pasmaceira. Afinal, carecia de alguma ocupação enquanto lamentava pelo meu frustrado investimento de meio de semana.

Comecemos do início:

Em um desses sites de compras coletivas, acabei sendo fisgado por uma promoção. Tratava-se de uma massagem relaxante de nome bizarro, com não sei o quê de reflexologia podal. Se não me engano, mencionava uma tal máscara, óleo de sei lá o quê, ofurô com pétalas de rosas e ervas aromáticas; e ainda um lanche. O valor original do pacote, conforme a oferta, seria 700 reais, mas estava saindo por irrisórios 59. Eram tentadores 92% de desconto.

“_ Caralha, imperdível!” – adquiri impulsivamente.
Cheguei ao local e fui recebido por uma senhorita na sala de massagem. Imaginei que o ambiente deveria ser escurinho, mas uma irritante fresta na cortina atingia em cheio minha tranquilidade. Havia uns balões coloridos estranhos no teto e uma música deprimente misturava-se aos ruídos urbanos que vinham do lado de fora. A mulher solicitou que eu me deitasse, de sunguinha.

“_ Ao aspirar, visualize a cor verde, que remete à tranquilidade. Ao respirar, mentalize o lilás, que é a cor do bem-estar”, orientou-me, com voz de motel, antes de iniciar a massagem. “Seria alguma pegadinha?”, pensei enquanto corria os olhos procurando por uma câmera escondida.

Tá bem, admito que até cheguei a tentar a parte verde.

Minha tarefa seria, então, relaxar completamente. Deitado de bruços, sugeria-se encaixar a face num buraco na extremidade da cama, com vista para o chão. A princípio, parecia um mecanismo maneiro. Mas logo percebi que a posição pressionava o pomo-de-adão (o osso do gogó) contra a cama, a ponto de me deixar desesperado.

Permaneci durante mais de meia hora ali, sufocado, sentindo o sangue se concentrar na minha cabeça, que a essa altura estava prestes a explodir. Até que não suportei mais e pedi para virar o rosto de lado, quebrando o protocolo da parada. Caiu a ficha: “_ Humm... essa é uma clínica para mulheres, que, normalmente, não têm pomo-de-adão desenvolvido”.

A massagem durou mais alguns minutos. Por vezes, a dona apertava minha bunda, o que me deixava um pouco constrangido, mas não a ponto de me manifestar a respeito. Dado momento, sou orientado a virar-me de barriga para cima. A massagista então resolve besuntar minha cara com uma espécie duma meleca, o que não foi nada gostoso. “_Essa é a máscara, ok?” – esclareceu. Em seguida, deu umas pegadas na sola do meu pé. Concluí imediatamente que se tratava da tal coisa ‘podal’ prometida no anúncio do serviço.
No desfecho da sessão, a profissional indaga: “_ E aí, gostou?”. Limitei-me a responder: “_Aaaaa”.

Mas vejam bem. Não foi aquele ‘Ahhhh...’ que a plateia do Programa do Jô profere quando termina uma entrevista empolgante. Tampouco o ‘Ah!’ refrescante das antigas propagandas do Kolynos. Também não emiti um longo e confortável ‘Aaahhh......’ daqueles de quando a gente se espreguiça. Foi apenas um ‘Aaaaa’ e ponto final. Não diz nada. Mais ou menos semelhante à resposta do mordomo Tropeço, da Família Adams, quando alguém lhe fala qualquer coisa.

“_O que tem agora?” – interpelei, mudando de assunto.

“_Agora você entra na banheira do ofurô. Tenha um bom momento”, apontou, falando pateticamente bem baixinho.  
Por isso lá estava eu, imerso na água quentinha e cheirosa, rodeado por pétalas vermelhas. Senti falta de uma TV para me distrair. Também não havia música, e o silêncio não existia por causa do barulho do trânsito lá fora. A luz que vinha da janela entreaberta novamente incomodava. Acima de mim, havia uma lâmpada suspensa. Inevitavelmente me veio à memória a cena de alguma novela em que um aparelho elétrico ligado é jogado por um assassino na banheira, torrando o banhista. “Bom momento... tsss”.

Entediado, passei a admirar as formosas pétalas que desfilavam cheias de charme e vagarosamente. Sedutoras, com um perfume bom demais. 

Aí entendi a costumeira associação que se faz da rosa vermelha à paixão. Entendi também a lógica dos insetos, a razão pela qual as abelhas e marimbondos chupam incessantemente o núcleo das flores. E o motivo de formigas e joaninhas também curtirem descansar por ali.

Na parede, havia um relógio de ponteiro parado, marcando seis e meia da manhã. Mas já era meio-dia e o calor me aborrecia no ofurô. O pior foi quando afundei a cabeça e me senti como um pastel se sente ao ser mergulhado na gordura quente. Emergi sentindo cheiro de óleo, com o rosto e o cabelo melados.

Fui salvo desse martírio quando a tal mulher da massagem reapareceu dizendo que o tempo havia se esgotado.
Vesti-me e parti daquele lugar infernal. Por razões éticas, não mencionarei o nome do estabelecimento. Mas fica na rua Tomás Gonzaga, número 4000. Bairro Lourdes, na capital de Minas Gerais. Na saída, descobri que o ‘lanche’ referido na propaganda que me atraíra consistia em uma barrinha de cereal. Saborosa, mas não o suficiente para compensar os meus preciosos 59 reais investidos na empreitada.

Remoí a constatação de que custaria menos do que isso a viagem de ida e volta para ver minha família no interior. Daria também para comprar, por 59 mangas, uma camisa bacana; mas priorizei essa massagem tosca. Eu descolaria uma balada open bar por esse mesmo valor. Mas passei a manhã lambuzado de óleo, sentindo calor. Que prejuízo...

É isso, crianças. Quando seu sanduíche no Subway, mais o refri, ficar em 20 reais, não se zangue. Se a garrafa de cerveja tiver custando 6 no boteco, beba satisfeito. Se te oferecerem um ingresso a cinquentão para ver o jogo do Mequinha na Série B, compre...

...compra porque tá barato pra caralho!