segunda-feira, 6 de novembro de 2023

O espião

Disseram-me que aconteceu assim, e não sei se é verdade, mas acho bem plausível. Essas histórias de extraterrestres nunca parecem fiáveis, mas, afinal, quem me contou foi pessoa de confiança. Só sei o que me contaram e não sei mais detalhes.

Sucedeu que havia um indivíduo extraterrestre fazendo ronda numa cidade populosa aqui nas imediações. Descera de sua nave num descampado e ficou andando disfarçado no meio da multidão, observando tudo o que podia. Ora fazia anotações num bloquinho cintilante, ora expedia relatórios via radinho cósmico.

Entrou numa padaria, tomou café com pão de queijo. Comprou um jornal e leu sentado no banco da praça. Não sabia ler no idioma da Terra, obviamente. Brincou com um cachorrinho da rua.

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Adentrou também um anfiteatro. Ali havia um numeroso grupo de homens trajando terno e gravata. Eles se alternavam à tribuna: um falava e, em seguida, passava a palavra para o colega. Outras dezenas de pessoas assistiam em silêncio, respeitosamente. 

O ET achou aquilo intrigante e muito suspeito. Por que diabos revezam os oradores? Por que os homens usam roupas iguais, com tanto pano, neste calorão? E sobre o que deliberam com tanta seriedade?

Ao cabo de cada pronunciamento, todo o auditório aplaudia, e esse ritual bizarro deixava o ET de antenas em pé. Por que batem as próprias mãos, umas nas outras? Que coisa sem nexo! À medida que se espantava, o ET registrava coisas no seu bloquinho e emitia, ao radinho, sons que são indecifráveis para nós, humanos.

A cada sessão de aplausos, o verdinho entrava em parafuso. Ele constatava, horrorizado, que as pessoas iniciavam e cessavam as palmas quase simultaneamente. Como é possível tal sincronia? E que mau gosto! O barulho de mãos e dedos se chocando é insuportável! O ET coçava seu enorme cabeção, atento aos mínimos detalhes, à espreita.

Então um homem aparentemente mais importante do que os demais subiu as escadinhas do palco e se apoderou do microfone. 

E o ET analisando a cena. 

A fala do palestrante, que parecia espirituosa, era, de quando em quando, interrompida por aplausos. 

E o ET ficando cada vez mais incomodado. 

A interrupção aconteceu em três ou quatro momentos, sendo que nenhum deles pareceu natural ou inofensivo aos olhos do extraterrestre cabeçudo e verde.

Quando, enfim, a autoridade terminou seu discurso, a plateia inteira se levantou das poltronas, como se executasse uma coreografia. Começaram a aplaudir de pé, muito mais efusivamente. O ET, em estado de alerta, examinava o cenário, com as pupilas dilatadas e todos os seus sentidos aguçados. 

O conferencista, então, cumprimentou seus entusiasmados espectadores, curvando-se em todas as direções, num gesto de reverência. Essa atitude suscitou ainda mais aplausos, que foram se avolumando como trovões mensageiros de uma tempestade iminente.

Para o ET, foi a gota d'água. No radinho, ele comunicou sua decisão, que foi de imediato avalizada por outra entidade, provavelmente o chefe dos ETs. Ato contínuo, e por via das dúvidas, pelo sim pelo não, e impulsivamente, o ET, num rompante, por precaução, explodiu o planeta Terra e aniquilou a humanidade.

Aquilo estava ficando perigoso demais.

Um comentário:

  1. Caro escritor,
    Seria este ETzinho verde um reptiliano? Siriano, arcturiano, pleaidiano, anunnaki, grey!?

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