quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Estranhos no metrô


São, no máximo, quinze minutos de espera. E não há absolutamente nada para se fazer. Talvez por isso eu não consiga tirar os olhos de um estranho casal que, na estação Central de Belo Horizonte, aguarda a chegada do trem.

Ambos fumam, mas ela faz isso de forma frenética. Infla os pulmões com a fumaça tóxica, colore de cinza o ambiente em torno de si, e imediatamente traz de volta à boca o monte roliço de tabaco em chama branda. E sopra tudo de novo.

É magra, vestida de maneira básica. Nada de brinco ou maquiagem. Nariz um pouco grande, cabelos curtos e pretos, denotando liberdade e independência. Sua bunda tem um formato estranho, destoando da brasilidade das demais nádegas femininas presentes. Pode-se dizer que é uma moça bonita.

Ele, se não fosse gay, seria o namorado. Está despenteado, com a barba e bigode rebeldes. É o melhor amigo da mocinha. Cabelos cacheados e abundantes, discretos olhos azuis. Jeans e sapato de jovem. É gay mas não é afeminado.

Obviamente são jornalistas. Ou melhor, cursam a faculdade, mas jamais irão exercer. Serão pesquisadores, depois doutores, e, se as drogas permitirem que cheguem vivos à maturidade, irão lecionar aquilo que aprenderam. Nota-se que são socialistas convictos e ateus fervorosos. Não acreditam em espíritos, tampouco na família como instituição sagrada.

Ele é herdeiro de um bem-sucedido empresário paulista. Sempre adorou gastar dinheiro em baladas caras. Ao chegar em Minas, jogou fora as roupas de marcas famosas e passou a frequentar ambientes hippies. Hoje usa drogas em vez de beber cerveja. Tem cara de Sérgio, mas foi apelidado de Dark pelos amigos da faculdade.

Maria Cecília, durante a adolescência, namorou um skatista que pichava muros, para contrariar o pai. Veio para Minas Gerais fugindo da rigidez familiar. Tinha tudo do bom e do melhor no Paraná, mas hoje é mais feliz dividindo um apê de dois quartos com outras três garotas. Algo me diz que, se morresse hoje, ela iria para o inferno.

Entraram no mesmo vagão que eu. O casal que vejo pela primeira vez continuará dono da minha atenção. Agora eles pararam de se falar, o assunto esgotou. Sem motivo aparente, ele a abraça e beija seu rosto carinhosamente. Como eu já disse, é seu melhor amigo, gay.

Após meia hora de devaneios, o trem chega ao meu destino. Quase perco o ponto por causa dessas reflexões. Pelo visto, o casal vai descer aqui também. Sinto-me constrangido em caminhar lado a lado com os já tão íntimos desconhecidos.

O trajeto da passarela até o estacionamento parece não ter fim. Contenho o impulso de virar o rosto e continuar observando o casal de amigos, que pra mim já são bizarros. Ouço seus passos, sincronizados, e os imagino acendendo mais cigarros. Não percebo vozes, mas é inevitável confabular um diálogo entre eles, com um sotaque irritante qualquer.

Tenho pressa. Felizmente, minha namorada está à minha espera. Ela sorri de forma atípica.

— Oi Dudu! Quer carona?

Eu olho para trás e me surpreendo. Minha nossa! Como eu não havia reconhecido?! É o Carlos Eduardo, primo da minha namorada! Não o vejo há seis meses, quando tomamos uma cerveja no boteco de seu pai. Realmente tá mudado... o bigode cresceu um pouquinho.

Quem o acompanha é a sua noiva, a Silvinha. Formam um dos mais belos casais que já vi, nascidos um para o outro! Conheceram-se no Grupo de Jovens de Cristo, da paróquia aqui do bairro mesmo. Mas foi durante a faculdade de Direito que começaram a namorar. Formados há três anos, passaram no concurso da Defensoria Pública. Enfim juntaram uma grana e vão se casar. Deste ano não passa!

— Como você tá, meu peixe? Nem tinha notado a presença de vocês! Sabe como é... meia hora no metrô, a gente acaba cochilando...

2 comentários:

  1. Esperar (re)conhecer para avaliar é para os fracos.

    Historia genial.

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  2. Esse devaneio literário é seu moiquinha?
    Genial como disse o Ulisses!
    E digo mais: Relembrei como ja fiz isso diversas vezes! Em metrôs, rodoviárias, aeroportos, pontos de´circular e etc.
    Impressionante como a diversão de delegar certos personagens a algumas pessoas, geralmente nos prova o quanto somos PRE CONCEITUOSOS! Não no sentido ruim da palavra. Mas em como podemos determinar que um pessoa é de tal forma quando, na verdade, as aparências enganam E MUITO!
    Parabéns viu! Adorei!

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