terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Do jeito que eu sonhei

Naquele dia, como em tantos outros, enforquei todas as aulas do 5º período do curso de Jornalismo. Afinal, aqueles sermões não serviriam mesmo pra nada, assim eu cria. Esparramado na beira da piscina do condomínio, empreendia um esforço hercúleo, usando o poder invisível e interno de meus neurônios e sinapses, a fim de reconstruir o enredo do sonho que havia tido na noite anterior. Montando e remontando, eu ia, as pecinhas da narrativa à medida que pululavam no lago raso da memória precária.

Faz tempo. Acordei meio que chorando seco.

Durante aquela madrugada onírica, ela fazia indagações estranhas: Por que você só tem um brinco? Por que tá balançando a barriga?

Suas ideias eram criativas, mas compreensíveis. Queria dançar músicas do Casaca na hora de dormir. Concebia histórias com interações tão improváveis como a do Lobo Mau com o Luís Fabiano, que jogava na seleção brasileira. 

Pronunciava com a língua presa o fonema do S. A impressão era a de que ela selecionava, muito deliberadamente, palavras com esse fonema, só para pronunciar com a língua presa, de um jeito pra lá de engraçado, que dava vontade de imitar. 

Ela tinha um casal de amigos fictícios que passaram a ser meus amigos também. E como eram legais os dois danadinhos... Ao telefone, ela costumava conversar com outras pessoas também fictícias, a quem ela respondia, repetida e reiteradamente: não acredito! até parece!. Afinal, tais pessoas fictícias lhe diziam coisas ora surpreendentes, ora absurdas.

Sabia a medida certa das coisas: Gosto de pimenta, mas só um pouquinho, muito não. Antes de aprender a falar, solfejava a música de abertura da novela com perfeita afinação. Fui o primeiro a descobrir esse dom.

Eu tinha uma mania incontrolável de reparar em tudo nela.

Quando repreendida, ela ficava cruel: torcia as sobrancelhas, apontava-me o dedo na cara e ameaçava: Não faz isso comigo mais não. E era ainda mais cruel quando me desafiava, com ira e com ironia, olhando no fundo dos meus olhos apaixonados: Que tapinha foi esse que não doeu? 

Se eu morasse longe, ela me estranhava, não sei se por rancor ou por falha na cognição, e eu quase me arrependia. Por alguma razão, ela sempre aprovava minhas namoradas, e isso me satisfazia.

Naquele sonho, ela brincava de passar o nariz no meu, e eu já lamentava pela saudade que sentiria daquilo quando eu fosse embora.

Acho que por isso eu acordei chorando seco.

Às vezes, ela me surpreendia falando as minhas gírias e quando gostava das brincadeiras que eu inventava. Eu ficava extasiado quando ela me adorava. Quando indiferente, eu compreendia.

Ela se escondia de quem entrava em casa, só de sacanagem. Era independente, que chegava a irritar. Eu que vou dirigir. Eu que vou ligar para ela. Ah, já ia me esquecendo: ela tinha o meu mesmíssimo sangue — algo, porém, inadmissível, pois era quase loira, de cabelos artisticamente cacheados.

Acho que por isso eu descobri que era só um sonho.

Hoje, não tenho mais piscina e saio pra trabalhar todos os dias. Vez ou outra, eu me pego concluindo, em silêncio: Meu Deus! Ela é exatamente do jeito que eu sonhei!


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